Como filho natural de Campina Grande, aprendi interpretar desde cedo o verdadeiro significado da grandeza de seus feitos, não para vaidades, mas por convivência. Contudo, minha natureza cética jamais me permitiu render-me ao deslumbramento fácil. Sempre preferi apoiar-me em resultados concretos para, só então, proclamar aos quatro ventos aquilo que de fato contribuímos para edificar.
Quando o genial Ronaldo Cunha Lima, guarabirense e brejeiro, mas com alma agrestina e profundamente campinense, cunhou a marca “O maior São João do Mundo”, não se limitava a batizar um evento, estava na verdade, inaugurando um novo patamar econômico, social e simbólico para uma cidade que então vislumbrava apenas o ocaso fim do ciclo produtivo do sisal e do algodão, dizimado pelo Bicudo. Campina Grande via ruir silenciosamente, pilares de sua história política, cultural e econômica. Eis que surge, visionariamente, o primeiro São João com trinta dias de duração, e isso, convenhamos, não era pouco. Eu, ainda menino, com minha cabeça “avantajada”, dessas que os colegas costumavam chamar de “cabeção” já observava, atento, os gestos e ousadias do poeta. Ronaldo Cunha Lima não criou apenas uma festa: forjou uma marca, um símbolo, um brado cultural que ainda hoje ecoa como um dos maiores orgulhos do povo paraibano.
🔥Turismo e rede hoteleira aquecida
Durante o mês de junho, Campina Grande registra uma ocupação hoteleira superior a 90%, com voos extras, excursões, turismo religioso, gastronômico e a visitação a cidades próximas que oferecem atrativos complementares.
O entorno do São João de Campina não tem igual. Para além do Parque do Povo, é indispensável enaltecer a força da iniciativa privada. Espaços como o Spazzio, Vila Sítio São João, Vila Forró Cidade São João, Soul João, Campestre, Galante, Vila do Artesão, entre tantos outros, são equipamentos que arrastam multidões do Brasil e do mundo.
Até o Aeroporto Castro Pinto, em João Pessoa, vê seu fluxo de passageiros aumentar substancialmente nessa época, impulsionado pela magnitude do evento, ajudando a aquecer sua rede hoteleira.
A expectativa é que, em 2025, O Maior São João do Mundo gere um impacto econômico superior a R$ 750 milhões na economia campinense apenas no mês de junho.
🔥Mas nem tudo tem sido poesia…
Com o passar do tempo, o maior São João do Mundo tornou-se também arena de disputas mesquinhas. Resistiu, como pôde, às investidas de quem sempre pretendeu transformá-lo em trincheira política. Campina Grande com sua mania justificada de grandeza, passou a despertar reações enviesadas. Uma birra, um ressentimento, oriundo de outras regiões do estado que, mesmo após décadas, ainda não lograram aceitar a magnitude desse evento e, em muitos casos, recusam-se a reconhecê-lo como aquilo que, de fato, é a maior vitrine cultural e turística da Paraíba.
🔥E é justamente aqui que repousa o ponto nevrálgico da minha chamada de atenção…
Já passou da hora de repensarmos com seriedade, o conceito que sustenta o evento. É imperativo compreender que água e óleo não se misturam, e que o Parque do Povo deve ser resguardado como o carro-chefe absoluto da festa, o seu epicentro tradicional. Ali deve pulsar a mais genuína cultura popular: comidas típicas, bebidas juninas, e o forró autêntico conduzido por sanfona, triângulo e zabumba. Que não suba naquele palco quem não reverencie ou represente essa sonoridade. Que o Salão do Artesanato, por exemplo, seja reinstalado ali, durante os trinta dias do evento, como parte indissociável da ambiência. O Parque do Povo deve refletir, com fidelidade, o que há de mais nobre e identitário no São João nordestino com repente, literatura de cordel e outras manifestações que enobrecem nossas raízes.
Quem chega de fora, disposto a investir, consumir e experimentar, não deseja, e tampouco precisa, ver os grandiosos Victor & Leo, Matuê ou Alok no coração do Parque. Não ali. Não naquele espaço sagrado da tradição. Esse público busca a alma do Nordeste; quer ouvir o som que embala e narra nossa história. O PDP precisa ser, de forma inegociável, o principal equipamento cultural e turístico da festa.
É claro que há, também, quem se encante pelo “outro tipo” de espetáculo e sonoridade. E esse público não deve ser ignorado. A proposta, no entanto, é que se crie uma nova estrutura, um espaço planejado, talvez denominado Arena São João, nos arredores da cidade, destinado exclusivamente às grandes atrações comerciais. Que lá se apresentem os artistas que lideram as paradas e atraem multidões em êxtase. Há espaço para todos, mas cada qual no seu devido lugar.
Além disso, Campina Grande precisa retomar com vigor a valorização dos adereços e elementos decorativos juninos. A estética da festa, bandeirolas, balões, cenografia de ruas e bairros, precisa ser revigorada com criatividade e identidade. A cidade deve respirar São João em cada esquina. É igualmente urgente o investimento em campanhas promocionais que aqueçam a participação popular desde os meses que antecedem o evento, criando um clima festivo que envolva moradores e visitantes num mesmo sentimento de pertencimento.
Ao fazer isso, a desgastada crítica de que “o São João de Campina Grande não é mais raiz” perderá sua razão de ser. E o evento poderá, enfim, reencontrar o caminho do crescimento equilibrado e da autenticidade que lhe deu origem.
É chegada a hora de a Paraíba, em sua totalidade, reconhecer o maior São João do Mundo como um patrimônio que transcende fronteiras municipais. Não se pode mais permitir que essa celebração seja reduzida a caprichos eleitorais, sabotagens políticas ou ressentimentos regionais. Trata-se de um fenômeno que reverbera positivamente na economia, na cultura, na autoestima coletiva e na imagem institucional do estado.
Por tudo isso, urge um verdadeiro choque de gestão, de conceito e de maturidade. Ou corremos o sério risco de ver, escapar por entre os dedos, o legado que Ronaldo Cunha Lima nos deixou. E, então, restarão apenas lembranças, fotografias desbotadas e a dolorosa constatação de que deixamos fenecer, por descuido e vaidade, o maior São João do Mundo.
🔥E o mais grave: não perderemos apenas a festa, mas o sentimento de pertencimento que a torna tão grandiosa quanto seu nome.
Josinaldo Ramos